SEM GRAVIDADE

A Missão – Parte V – Órbita
Marcos Pontes
02/04/2006

Viver em órbita. Sem gravidade. Coisas interessantes. Coisas bonitas. Coisas estranhas. O corpo também acha. É necessário adaptação. O nosso organismo, desenvolvido por milhares de anos no ambiente da superfície do planeta e submetido à gravidade terrestre, reclama. Enjôos são sintomas comuns durante a fase inicial, mas não são os únicos.
Desorientação espacial é também muito frequente nos primeiros dias. Esses dois sintomas são ligados diretamente aos efeitos do ambiente novo sobre o nosso sistema vestibular. O cérebro passa a ter informações confusas entre os sensores, isto é, os olhos dizem uma coisa, enquanto o sistema vestibular diz outra. Resultado? Grande chance de ver o alimento pela segunda vez.
A circulação sanguínea também sofre impactos do ambiente. Nosso sistema circulatório naturalmente compensa os efeitos da aceleração vertical constante da gravidade sobre o movimento do nosso sangue pelo corpo. E no espaço? Aí não tem mais a gravidade. Mas o corpo ainda “não sabe” disso nos primeiros dias. Assim, continua a pensar que é mais difícil levar o sangue à cabeça do que aos pés. Provavelmente, durante a primeira transmissão de TV, ao vivo, diretamente da EEI / ISS, você vai pensar que eu engordei uns 20 kilos. Rosto inchado e vermelho. Características normais, além das dores de cabeça, desse estágio de adaptação do corpo para controlar a distribuição do sangue sem gravidade.
Também vou crescer cerca de uma polegada durante o tempo em órbita. Ocorre uma distenção da coluna vertebral devido à falta da força vertical causada pela gravidade. Cuidado é necessário. Ajustar o comprimento do macacão para o regresso também. Depois do pouso voltamos ao normal, espero.
A questão de perda de densidade óssea também é fato, mas é mais pronunciada, logicamente, para os vôos de grande duração. Espero não ficar com osteoporose depois do vôo.
Radiação é problema sério. A falta da proteção da nossa atmosfera, nos expõe a um ambiente com níveis bem mais altos de radiação. Carregamos conosco, o tempo todo no espaço, um medidor de dosagem de radiação. Sem qualquer função de proteção, serve apenas para controle após vôo.
Também perdemos tônus muscular. Por essa razão, precisamos de exercícios diários em órbita. Não resolve totalmente, mas ajuda na recuperação pós-vôo.
Existem outros efeitos, mas talvez seja bom parar por aqui com essa propaganda negativa. Afinal, queremos mais brasileiros no espaço em breve. Eu estarei lutando por isso, e não quero perder candidatos!
Vamos falar das coisas boas da órbita. Vamos olhar pela janela. Ver o mundo passar rapidamente sob nossos pés. Ver esse nosso Brasil por inteiro, tão rico e cobiçado. Nossa terra, nossa gente, nossa responsabilidade. Ver o nascer e o pôr do sol a cada 90 minutos, iluminando e fazendo brilhar uma espécie de “aura” ao redor desse nosso maravilhoso planeta azul.
Vamos olhar para as estrelas, e ver o quanto somos pequenos nesse universo. E quanto é importante entender que somos parte de uma coisa tão grandiosa. Ser feliz por isso. Sentir a calma de saber que não controlamos o universo, mas que recebemos Dele a força para vivermos, felizes.
Dentro da Estação, um pequeno “mundo” de tecnologia e ciência, com uma grande responsabilidade: é possível construirmos juntos algo bom para todos, independentemente de cultura, raça, língua, religião ou qualquer outra desculpa para discórdia.
O dia-a-dia a bordo se divide em atividades do cotidiano, como dormir, escovar os dentes, fazer a barba, ir ao banheiro, fazer as refeições, tomar banho (com toalhas molhadas), etc, e tarefas profissionais, cuidar da manutenção dos sistemas dos veiculos e realizar os experimentos brasileiros.
Tudo é sincronizado por dois documentos: o plano de vôo e o formulário 24. Eles descrevem com detalhes o que devemos fazer a cada minuto a bordo.
Nossos experimentos estão localizados no compartimento de acoplamento do segmento russo. Aqui é onde passo a maior parte do meu dia. Entre equipamentos, fios, procedimentos, outros papéis, e a bandeira do Brasil estendida na parede. Tudo precisa ser feito corretamente. Cada segundo é precioso.
A vida é dura por aqui. Mas vale a pena. Não dá vontade de dormir. Parece tempo perdido. Mas os médicos insistem. É necessário. Entro no meu “saco de dormir”. De tempos em tempos olho pela janela. Penso em muitas pessoas, situações, sorrisos, emoções, lembranças boas. A cor do planeta me lembra os olhos de minha mãe. Ela deve estar feliz. Saudades e um sorriso de satisfação. “Obrigado!” .... Boa noite!

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